quinta-feira, 23 de abril de 2009

As mulheres continuam afastadas do poder

Trinta e cinco anos depois do 25 de Abril, o estatuto social das mulheres mudou mas os altos cargos políticos continuam no "clube privado" dos homens, uma realidade que as estatísticas indicam repetir-se na administração e na diplomacia.

A social-democrata Manuela Ferreira Leite é caso raro no panorama político português: conquistou a liderança de um partido político e tem no seu currículo vários cargos de direcção de entidades públicas e privadas, mas é a excepção que confirma a regra em Portugal.

"A área política, como dizia a [escritora] Simone Weil, é o clube privado deles, é a área mais difícil para as mulheres entrarem", mas, se a competência fosse critério, hoje "não havia paridade, havia mais mulheres que homens na política", afirma Helena Roseta, numa provocação que traduz uma crítica aos partidos políticos.

Para a ex-deputada socialista, que pôs de pé um movimento político, "Cidadãos por Lisboa", e é vereadora na autarquia lisboeta, os partidos, historicamente liderados por homens, perpetuam o género no poder, fazendo das fidelidades o principal critério da elaboração das listas.

"As pessoas são escolhidas conforme a fidelidade que têm perante o líder da concelhia ou da distrital ou nacional. Isto é um mecanismo que para nós é muito estranho", afirmou, defendendo que os cidadãos possam contribuir para a composição das listas.

Helena Roseta defende que as causas da evolução lenta no acesso das mulheres à tomada de decisão não têm a ver com "qualquer conservadorismo social" mas sim "com falta de vontade política".

"Como é que é possível, nestes anos todos de democracia, nunca termos tido uma mulher presidente da Assembleia da República? (…) Algumas tentativas que as mulheres fizeram para tentar aproximar-se de lugares de chefia foram absolutamente cilindradas pelas direcções partidárias", afirmou.

Outro caso, único até agora, foi o de Maria de Lourdes Pintasilgo, a primeira mulher a candidatar-se à Presidência da República e a assumir o cargo de primeira-ministra em Portugal, entre Julho de 1979 e Janeiro de 1980.

São "excepções que confirmam a regra", assinalou Manuela Tavares, da União Mulheres Alternativa e Resposta, autora de vários estudos sobre mulheres, o último dos quais incidindo sobre os Feminismos em Portugal.

"A seguir ao 25 de Abril houve grandes movimentações sociais com grande participação e expressão das mulheres. Sucede que, nas primeiras eleições, em 1975, as mulheres ocuparam apenas 8 por cento dos lugares do Parlamento", frisou.

Uma "contradição" que Manuela Tavares atribui à "herança de uma sociedade conservadora em que a concepção de que a mulher pertencia à esfera privada teve um peso significativo".

Essa "herança e tradição de uma visão sexista do poder" explicam, ainda que haja outros factores, que apesar das alterações legislativas após o 25 de Abril, as mulheres ainda hoje estejam afastadas dos mais altos cargos seja na política, na administração pública, na magistratura ou na diplomacia.

Em 1976, a Constituição da República consagrou a igualdade entre os sexos e foram abolidas as restrições baseadas no sexo quanto à capacidade eleitoral. Dois anos depois, em 1978, desaparece do Código Civil a figura do "chefe de família" e a necessidade de autorização do marido para exercer uma profissão.

Para além da lei da paridade, que obriga a uma representação mínima de 33,3 por cento de cada um dos sexos nas listas, e que vai ser posta à prova pela primeira vez este ano nos três actos eleitorais previstos, Manuela Tavares defende que "o exemplo tem que vir do poder político".

"Num Governo com 17 ministros, temos duas ministras. Será que não havia mulheres competentes?", questiona.

A Comissão para a Cidadania e Igualdade aponta que "é na área de tomada de decisão que o crescimento da presença das mulheres se tem produzido a um ritmo mais lento".

Hoje as mulheres constituem 25 por cento dos 230 deputados à Assembleia da República, 6 por cento das presidências de câmara e 21 por cento dos 819 vereadores eleitos.

Dados da Comissão para a Cidadania e Igualdade indicam que em 2008 existia apenas uma mulher no Supremo Tribunal de Justiça e três mulheres no Tribunal Constitucional. Na diplomacia o cenário é semelhante: apenas 2 mulheres embaixadoras em 51 postos.

As mulheres só ultrapassam os homens nas direcções intermédias da administração pública, constituindo 53 por cento nos cargos de direcção intermédia de 2º grau.

No entanto, nas direcções de 1º grau as mulheres são apenas 28,9 por cento do total. O "deserto" é mais visível no mundo empresarial de topo, segundo dados da mesma Comissão, que identificou apenas três mulheres nos conselhos de administração das 19 maiores empresas.

SÓNIA FERREIRA/ LUSA

Gica

2 comentários:

Madalena A disse...

Chegar o dia em que as mulheres ficarão em pé de igualdade!Já esteve mais longe e muito já conquistaram, neste país ao longo dos 35 anos.

De quem é a culpa, dos homens ou das mulheres?

J. Maldonado disse...

Apesar das grandes mudanças que a democracia nos trouxe, após a Revolução de Abril, continuamos a ser uma sociedade demasiado preconceituosa, notando-se muito isso nas relações entre os géneros. Ou seja, a mentalidade machista ainda prevalece em muitos segmentos, nomeadamente no trabalho e na família.
Existe ainda no nosso país um apartheid de géneros...